Por Adilson Neri Pereira – Mestre em direito, especializado em seguros.

A vida em condomínios viabiliza atitudes compartilhadas na solução de questões do cotidiano: entrada de animais nos elevadores, rodízio de funcionários na portaria, emenda de feriados, taxa do condomínio, constituição ou utilização de fundos de reserva, modernização dos elevadores, lavagem do tapete da recepção, troca dos móveis da sala de estar, demarcação da garagem, sistemas de segurança, formação da brinquedoteca, utilização da piscina.

Já não se trata da aceitação de bichos nos prédios, tema polêmico no final do século passado. Depois de provado que os cachorros têm alma, ouvem, aprendem e entendem muito bem tudo que os donos lhes confidenciam, a discussão para a classe média mudou de patamar: os animais de companhia devem obedecer à lei do silêncio; absterem-se de festas com bebidas e música alta, após 22h00; podem frequentar a área de piscina, sem entrar na água.

No Auto da Compadecida, Ariano Suassuna atribui aos personagens Chicó e João Grilo a incumbência de convencer o padre local a benzer o cachorro de uma beata. Ficção que se antecipa à realidade.

Condomínio é uma pequena amostra da vida política com suas qualidades e mitos. O vizinho de cima sempre faz muito barulho, a mulher anda com salto de alto de madrugada, as crianças andam de carrinho de rolimã na sala, as pessoas jogam as cadeiras no chão, praticam sexo selvagem, tamanho é o barulho que fazem. Já o vizinho de baixo reclama à-toa: sujeito sem nada pra fazer, em lugar de cuidar da sua vida, fica atento à vida dos outros, ouve barulho onde não existe.

– Aquele fazendo xixi no saguão do prédio é o morador do 17? Ele está bêbado. Amanhã não vai lembrar de nada. No máximo, dirá como o sujeito da fita é parecido com ele.

As assembleias são um caso à parte. Embora dedicadas a pontos importantes da comunidade, a maioria prefere se ausentar e deixar que os vizinhos resolvam os problemas em seu nome, confiantes de que nada muito grave irá ocorrer. A bruxa do 92 irá se acertar com a fada do 69.

A indiferença só termina quando o bolso é chamado à votação. Um síndico, cansado da falta de representatividade, numa assembleia solitária, apenas ele, com procuração pública de outros condôminos, publicou na ata:

– Torcedores do Corinthians pagarão o triplo da taxa atual; são-paulinos, o quádruplo, os que não têm mundial, o quíntuplo. Os santistas são poucos, assim como os torcedores do Juventus, da Ponte Preta, do Guarani e da Lusa, mas se houver algum no prédio, a taxa para eles será mantida.

– A redução das taxas dependerá de maioria qualificada na próxima assembleia.

A decisão foi completamente arbitrária e ilegal, poderia ser facilmente anulada no tribunal. Na dúvida, no entanto, a assembleia seguinte lotou, veio até torcida uniformizada, usavam camisa juventina para garantir menor cobrança.

A Convenção faz lei entre os condôminos e estes têm a possibilidade de explicitar se o condomínio será ou não responsável pelos veículos guardados na garagem. São os proprietários de apartamentos e de veículos que, em relação a um ponto omisso da lei, podem decidir o procedimento: eventuais roubos ou furtos de automóveis no estacionamento do prédio não serão de responsabilidade do conjunto de moradores. A decisão é aperfeiçoada com o registro do documento em cartório.

Mas, qual o interesse dessa proposição? Não se pode esquecer que se trata de um condomínio de proprietários e não de moradores. Logo, nem sempre os interesses são semelhantes. Aqueles que não residem no local, não utilizam a garagem, não têm razão de defender a obrigação de pagar pelo roubo ou furto de veículos.

O tempo passa e as pessoas esquecem. Não informam o corretor de seguros que nesse ponto se comporta como o cônjuge traído. Oferece e contrata seguro compreensivo, com a cobertura de responsabilidade civil para veículos na garagem, desinformado a respeito da cláusula de isenção de responsabilidade. O pior acontece. Quando algo começa errado, vai errado até o final: um automóvel é subtraído do local.

A seguradora solicita os documentos de praxe, dentre os quais, a convenção do condomínio, onde está registrada a decisão soberana de isenção da obrigação de pagar prejuízos dessa natureza. No seguro de responsabilidade civil o segurado, condenado em sentença transitada em julgado, paga o prejuízo e é reembolsado pela seguradora.

Ora, numa situação como a descrita, é bem possível que o condomínio não seja condenado a pagar e, portanto, não haverá reembolso pelo seguro. Manifestando-se previamente, a seguradora recusará o sinistro.

A corda estoura do lado mais fraco. O corretor deve sempre dar uma olhada na Convenção do Condomínio se quiser orientar uma contratação mais profissional do seguro ou esperar pela sorte.

 

Escrito ou enviado por  Revista Cobertura via /Cqcs/

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